domingo, 29 de dezembro de 2013

Quero despir-te letra a letra

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Quero despir-te letra a letra
e correr teu corpo palavra a palavra
Amar-te sem te ver e sem tu saberes
sentes apenas a brisa quente de Verão
a chuva fria de Inverno
e o teu corpo renasce nos meus carinhos
como se fosse Primavera
no fim da noite será Outono em ti
Mas por agora as minhas letras...
juntam beijos suaves que se perdem
nessa tua pele arrepiada
meus dedos, palavras desconcertadas
entram na tua intimidade
descobrindo teu mundo encantado
e naquele momento que o dicionário todo
não chega para descrever êxtase que sentes
sou eu que me dou no meu poema
esqueço que sou gente
mergulho na tua essência
e desfaço-me em milhões de emoções
que só tu alcanças.
Uma e outra vez letra a letra
componho para ti
todas as palavras que falam
de Amor e não preciso
que te lembres de mim
porque moro em ti .

Ana Moncado

Sonhava-te

Nuvens (2)

Ansiava ir dormir para te encontrar

refugiar-me do dia no teu olhar

era mais lindo que o luar e as estrelas.

Contava-te o meu dia e riamos muito.

Queria muito mais de ti,

queria dentro da minha realidade.

Andar de mão na mão nos jardins de verdade,

descer das nuvens e pisar a teu lado o chão.

Um atirei uma moeda para dentro de um poço

e o meu desejo realizou-se.

Eras carne e osso, eras gente !

Mas o teu sorriso perdeu a graça

as tuas mãos já não tinham magia

e as tuas palavras não me diziam nada.

Meu sonho virou pesadelo

Meu dia virou noite...

Ansiava pelo sono para não te ver.

Voltei ao poço dos desejos

mergulhei e agarrei a moeda maldita.

Sumiste nessa mesma tarde

sem te despedires e sem chorar.

Respirei o dia, apreciei o por do sol

e quando a lua se pendurou

na janela adormeci.

Acordei dentro daquele sonho

e vi-te lá ao fundo de pés pendurados

numa numa nuvem.

Sorriste-me e eu sorri também,

já não tinhas sombra de realidade

mas os teu olhos falavam

a verdade que eu queria ouvir

deixei-me ir no sonho

dançamos e conversamos muito

num abraço pedi-te

para nunca mais

voltares a ser realidade.

Ana Moncado

 

Educar Com os Olhos–Rubem Alves

Quando a gente

abre os olhos,

abrem-se as

janelas do corpo,

e o mundo aparece refletido dentro

da gente

Rubem Alves

Os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver.Rubem Alves

A educação se divide em duas partes:

educação das habilidades

e educação das sensibilidades...

Sem a educação das sensibilidades,

todas as habilidades

são tolas e sem sentido.

Sem a educação

das sensibilidades,

todas as habilidades

são tolas e

sem sentido.

Rubem Alves

Borboleta (2)

Borboletas são livres.

Minha alma também.

Anseio liberdade, beleza e amor

De ir, vir e sentir.

Paixão, ar, calor.

Preciso criar...

Voar…

Carolina Salcides

Há um pássaro

Que é voar?
É só subir no ar,
levantar da terra o corpo, os pés?
Isso é que é voar?
Não.
Voar é libertar-me,
é parar no espaço inconsistente
é ser livre, leve, independente
é ter a alma separada de toda a existência
é não viver senão em não-vivência.
E isso é voar?
Não.
Voar é humano
é transitório, momentâneo...
Aquele que voa tem de poisar em algum lugar:
isso é partir
e não voltar. 
Ana Hatherly

sábado, 21 de dezembro de 2013

7

 

 

 

 

 

 

 

Queria que estivesses aqui.

Arte1

Queria que estivesses aqui,
no meio disto tudo o que eu queria era que estivesses aqui,
o teu olhar, as tuas mãos a apertarem-me o medo, a dissolverem-me a ansiedade.
Mãos que apertam o medo, que dissolvem a ansiedade:

Pedro Chagas Freitas

domingo, 8 de dezembro de 2013

Minha amada, para mim estás sempre bonita :-) ♥

Flores

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

José Luis Peixoto

 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Esta noite é líquida
nos meus olhos esvaziados
de rumores e saudade.
Fixo o farol e a luz
da vida cúmplice.

Como as gaivotas parto

e regresso
porque este areal é meu.

Nem os búzios perdidos

nas águas profundas me podem
chamar com cânticos e brilhos.

Sou ilha e barco,

tu a margem que espera.

Parto com os ventos.

Lília Tavares

sábado, 30 de novembro de 2013

Tem sol

Deixa que os meus olhos se fechem
E confiem um minuto nos teus…
Olha por mim, protege o meu sonho
Vigia o meu descanso e afasta-me de todas as mágoas
Com os teus beijos apaga as lágrimas que correm pelo
meu rosto...
Envolve-me nos teus braços e, cuida de mim
Preciso do teu apoio, do teu abraço, do teu sentido
Deixa-me descansar e,
Adormecer no teu peito
Deixa que os meus olhos durmam
nos teus…
Deixa-me sonhar
Deixa que sonhe com a tua boca
Com as tuas mãos, com os teu beijos,
Com teu corpo na minha pele
Com o teu calor a queimar-me por dentro
Com tudo o que quero de ti
Deixa que os meus olhos despertem
com o sol a romper nos teus olhos…

Albano Martins

 

Verso de Folhas

Um

dia virei
colado a um verso, embrulhado
numa folha, dobrado
a um canto,

para que os teus lábios
me ciciem, os teus olhos
me beijem

e eu não saiba

e eu não sinta.

Albano Martins

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Trago morangos na boca

Fonte

E amoras no desejo
Penduradas à cintura
Noites – romãs, bago a beijo.
Sou cesta de fruta doce
Cheiro a terra a madrugar
Dispo debaixo das árvores
Nuvens que um pássaro me trouxe
Dos abismos de trovar.
Silvestre, mulher e frágua
Bebo das fontes a água,
Sedes minhas, a matar.

Alice Fergo

Luz em árvore

 

 

 

 

 

 

 

 

Furacão

Caminho sem pés e sem sonhos
Caminho sem pés e sem sonhos
só com a respiração e a cadência
da muda passagem dos sopros
caminho como um remo que se afunda.
os redemoinhos sorvem as nuvens e os peixes
para que a elevação e a profundidade

se conjuguem. ...
avanço sem jugo e ando longe
de caminhar sobre as águas do céu.

Daniel Faria

Fogo Aredente

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.
Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.
Quando chegas...
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.
Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.
Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.
O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

Mia Couto

 

Secos Invernos

Se eu pudesse,
Tocava o teu rosto em silêncio
E falava-te do mar,
Deixava tombar os meus cabelos
Sobre o teu ombro...
Como uma bênção
E fechava os olhos
Consciente de ser em ti
Como um salgueiro.

Ana Brilha

 

Penso-te

 

 

Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com suavidade
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça
Porque eu cresço para ti...
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno
Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci
Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos
No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome

Mia Couto

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Canção em outras palavras

Estações

Canção em outras palavras
O melhor cuidado com o amor
é deixar que floresça,
pois amor não se cultiva: é flor
selvagem, bela por ser livre.
Como as estações do ano, ele se abre,
dorme, e volta a perfumar a vida.
Amor é dom que se recebe
com ternura, para que não pereça
sua delicadeza em nossa angústia.
O amor não deve encerrar a coisa possuída,
mas ser parapeito de janela, ou cais
de onde se desprendam os revôos
e partam os navios da beleza
para voltar ou não, conforme amarmos:
nem de menos
nem de mais.

Lya Luft

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Disseram que havia sol

A ciência

Disseram que havia sol
Que todo o céu descobria
Que nas ramagens pousavam
Os cantos das aves loucas
Disseram que havia risos
Que as rosas se desdobravam
Que no silêncio dos campos
Se davam corpos e bocas
Mais disseram que era tarde
Que a tarde já descaía
Que ao amor não lhe bastavam
Estas nossas vidas poucas
E disseram que ao acento
De tão geral harmonia
Faltava a simples canção
Das nossas gargantas roucas
Ó meu amor estas vozes
São os avisos do tempo

José Saramago

Escuta

Sem Nome

Escuta: quando passamos as palmas das mãos por uma flor, vez que vez, docemente - sente lá comigo! -, quando nos espraiamos pelo cálice, pela corola, pelo seu terno perianto de estames e gineceu, pelas folhas, pela sensação absoluta, pela sensação da sensação sem fronteiras; quando a nossa sensibilidade se agudiza, se erecta na motricidade fina e flor-sentimos, é como se sentíssimos por inteiro no corpo, por ricochete, por dádiva divina, os pesos diferentes de várias carícias, como acordes vários mas unidos numa doce sinfonia táctil e interminável.
Assim sinto em meu corpo as tuas mãos-gineceu e por isso gero este pólen-poema em minhas anteras gratificadas

Carlos Serra

sábado, 9 de novembro de 2013

Foi para ti minha amada ♥


Encanto (2)

Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.
Foi para ti que pus no céu a lua
e o verde mais verde nos pinhais.

Eugénio de Andrade

“Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.”

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Não entendo

Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Clarice Lispector

Houve um poema

Cleópatra
Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.
Houve um poema:
parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
e intransmitida jamais.
Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma tênue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.
Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.
Cecília Meireles

Sou Eu

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Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,
Espécie de acessório ou sobressalente próprio,
Arredores irregulares da minha emoção sincera,
Sou eu aqui em mim, sou eu.
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente,
Como de um sonho formado sobre realidades mistas,
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico,
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima.
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua,
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda,
De haver melhor em mim do que eu.
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa,
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores,
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho,
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas,
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida.
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica,
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar,
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo —
A impressão de pão com manteiga e brinquedos
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina,
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela,
Num ver chover com som lá fora
E não as lágrimas mortas de custar a engolir.
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado,
O emissário sem carta nem credenciais,
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro,
A quem tinem as campainhas da cabeça
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima.
Sou eu mesmo, a charada sincopada
Que ninguém da roda decifra nos serões de província.
Sou eu mesmo, que remédio! ...
Álvaro de Campos,um dos heterônimos de
Fernando Pessoa

“Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.”

A Casa é Sua ♥

A Casa é Sua
Não me falta cadeira
Não me falta sofá
Só falta você sentada na sala
Só falta você estar
...
Não me falta parede
E nela uma porta pra você entrar
Não me falta tapete
Só falta o seu pé descalço pra pisar
Não me falta cama
Só falta você deitar
Não me falta o sol da manhã
Só falta você acordar
Pras janelas se abrirem pra mim
E o vento brincar no quintal
Embalando as flores do jardim
Balançando as cores no varal
A casa é sua
Por que não chega agora?
Até o teto tá de ponta-cabeça
Porque você demora
A casa é sua
Por que não chega logo?
Nem o prego aguenta mais
O peso desse relógio
Não me falta banheiro, quarto
Abajur, sala de jantar
Não me falta cozinha
Só falta a campainha tocar
Não me falta cachorro
Uivando só porque você não está
Parece até que está pedindo socorro
Como tudo aqui nesse lugar
Não me falta casa
Só falta ela ser um lar
Não me falta o tempo que passa
Só não dá mais para tanto esperar
Para os pássaros voltarem a cantar
E a nuvem desenhar um coração flechado
Para o chão voltar a se deitar
E a chuva batucar no telhado
A casa é sua
Por que não chega agora?
Até o teto tá de ponta-cabeça
Porque você demora
A casa é sua
Por que não chega logo?
Nem o prego aguenta mais
O peso desse relógio
Arnaldo Antunes

Só falta você acordar
Pras janelas se abrirem pra mim
E o vento brincar no quintal
Embalando as flores do jardim
Balançando as cores no varal”

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A noite inesperada

Anoitecer

A noite inesperada

São apenas palavras

Que trago no meu regaço

Não receies.

São apenas palavras que sinto

São sinos que tocam

Em mim

Nesta inesperada noite.

Como malmequeres

Numa sinfonia.

Como se fossem palavras

Em flor,

Cantadas.

Não receies a sua música

Nem o seu fulgor.

Sou apenas eu.

E neste momento

Assim me mostro,

Assim me mostro a ti.

Terás que observar o céu

E os traços das estrelas,

E os caminhos desenhados

Nos céus predestinados.

É como um destino

Que me aproxima de alguém,

Como o destino de ti

Como o destino de mim.

Fernanda Guadalupe

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

"Só nos meus versos poderão encontrar a minha promessa de amor eterno."

"Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
...
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,

dentro de mim, te procuram. "

Lunalva

 

Se quiserem saber quem sou
- Não sei quem sou
Só sei que em mim
A sombra e a luz
São vultos
Que se buscam e se amam
Loucamente
Se quiserem saber do meu destino
- Não sei do meu destino
- Não sei do meu nome
Só sei daquela sede
Imensa sede
Que ainda não foi saciada
Se quiserem saber donde venho
- Não sei donde venho.
Talvez venha do vento
Do deserto
Do mar
Ou do fundo das madrugadas
Não
Não me amem tão depressa
Não me compreendam tão depressa
Não me julguem tão fácil
Por favor
Não me julguem tão mesquinho
Tão quotidiano
O pão que trago comigo
- Não é pão
É fogo
O vinho que trago comigo
- Não é vinho
É sangue
E eu vos afirmo
- Todos hão-de beber
Do Fogo e do Sangue

Carlos Nejar

Os adjectivos estão velhos.
Um dia pensarei,
fui verso onde os pássaros soletravam árvores.
Valem-me as frases que amparadas no açúcar
atravessam o tempo.
As pernas já não são rios que procuram as ruas
para o corpo se escrever.
Subo o Chiado.
Ao fundo, guindastes respiram os barcos
e o Tejo é um país com palavras esquecidas.
Nas margens, as embarcações
recordam os verbos que usavam panamá.
Tudo está diferente.
As pessoas não rimam.
Têm os nomes escondidos nas colinas
e as veias rasuradas.
Custa-me agora seguir a corrente
que chega a uma esplanada.
Tempos houve em que entrava na "Brasileira"
como se mergulhasse na poesia.
As cadeiras eram gramáticas
com homens sentados
e, nas mesas,
as folhas chamavam canetas.
Chego.
Sento-me.
Como mudou o mundo nos mesmos olhos.
Chamo o empregado.
"Por favor, uma chávena de sílabas".
Logo vinte pronomes proclamam o prurido,
"é um poema".
Só Pessoa numa estátua é celibatário.
Vou observando os homens,
parágrafos fétidos que matam dicionários.
Anoitece.
O empregado despeja um grito no balcão.
"a conta daquele poema."
Levanto-me.
Sou um texto de outros tempos.
Treme-me a prosa,
visto-lhe a gabardina.

Desço o Chiado.
Entro numa livraria.
Lá fora o vento agita a sintaxe
de quem nada tem para ler.
Cansado silencio-me junto à estante.
Os dedos sorriem num livro,
"Confesso que vivi".
Para os que não tocaram o meu sangue,
serei sempre um poema com Alzheimer.

Alberto Pereira

sábado, 2 de novembro de 2013

Saudade!

Terra Quente

Saudade!
Sinto. Sinto saudades sim... Ela às vezes fica imensa... Vai invadindo toda a minha alma como se fosse só dela e vivesse para servi-la...Dominando-me aos poucos...lenta e suavemente...como se jamais quisesse me maltratar...Faz-se repleta de tolerância e vou acostumando-me à sua companhia...à sua amizade...aos seus momentos e aos seus apelos...Aprendemos com muito sacrifício a nos suportar...nas manhãs de nosso viver...e nessa convivência...até sublime...eterna... vamos consumindo-nos como se dependêssemos uma da outra para estar...para ser...para viver...de mãos dadas na busca... nem sei de que...nem sei... porque...por quê ?
daquele olhar...?
Ah! que saudade tenho...do tudo quanto mantenho dentro de mim...Saudade daquele primeiro medo...que quase me consumiu...Saudade depois...dos “segundos” medos que jamais tiveram fim...Das inseguranças que com eles vieram e que se estabeleceram para manter-me em vigília constante...procurando outra ...vida...aquela que tive e que era virgem de lembranças...de medos e de saudade...
Oh Céus! Como tenho saudade de gente...de pessoas que me embalaram a vida e que comigo brincaram no carrossel da alegria...no giro da felicidade! Tenho saudade daquela ilusão... de que todos tinham bom coração...que todos se queriam bem e que todos se amavam...Saudade grande...do sonho que tinha em relação às pessoas...e que se perdeu...pelos caminhos dos desencontros...que se consumiu com a vida...nas cinzas da existência...sonhos desfeitos...
uma saudade que veio...rondando a porta do coração e que sem pedir...ali se acomodou...
Só saudade...saudade e só !

José Luiz Pereira de Godoy

“Anda o Sol na minha rua”

Sol de Inverno

 

 

 

 

O sol está dentro de cada um. Sorrir e acreditar em si
é o caminho para alcançar a luz e o brilho que irradia da própria existência
e acalenta a crença em nós mesmos. Acreditemos no próprio sol,
ele mora no “eu” e ilumina o tudo e o todo.
A gargalhada é o sol que varre o inverno do rosto humano."

Victor Hugo

“Não se atreve a minha boca, Que eu não a deixo atrever. A dizer que eu ando louca, Que ando louca por te ver”

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A morada

 

Cores ao Quadrado

Constroem-se mansões, grandes moradas.
Mil jardins floridos, palácios.
Cuida-se de tudo, pensa-se em tudo.
Da minha morada, queria dizer...
Habitação maior,
Nela vive minha alma.
Minha casa nobre, que em nada é pobre.
Antes sim, espelhos tivesse,
Refletiriam luzes ofuscantes.
De branco brilhante,intenso
Violeta admirável, arrebatador do meu ser,
Próspero, em elevada espiritualidade.
Intenso vermelho, rubro como carmim,
cor do meu sangue e da minha sensualidade.

Tênues e admiráveis semblantes,
Transparências de azul cristalino.
Amarelo dourado, cor da minha doçura,
Representante da minha candura.
Prata, quase anil, vivacidade infantil.
Rosa de exuberante ingenuidade,
Mas de incontida alegria vivaz
Nuances de verde matriz, delirantemente excêntrico.

Se alguém pudesse ver minha morada
E toda a sua estrada,
Veria as cores dos meus sentimentos.
De jardins encantados, cheirando a cravos.

De flores exóticas, de relva mansa.
Com pássaros silvando.
Cantando todos os sonhos meus,
Não tenho vergonha de ninguém
Porque na minha casa tem:
um "sonhador".

Rosy Beltrão

domingo, 27 de outubro de 2013

Convivendo com as diferenças

É comum duas pessoas combinarem em vários aspectos: gostar de estar juntas, ter um ótimo sexo, pensar e sentir da mesma forma sobre questões importantes da vida. No entanto, algumas divergências de interesse ou gosto podem atrapalhar bastante ou até inviabilizar a relação. Quanto menos dependência houver entre o casal, mais fácil será encontrar um caminho para conviver com as diferenças. Além disso, a forma como as pessoas são afetadas por elas é decisiva para o desenrolar da vida a dois. Alguns não se incomodam de ceder: o que para um é fundamental, pode não ter muita importância para o outro. Mas nem sempre é assim.

Se num casal um dos parceiros adorar ir à praia e o outro detestar? Como se resolve esse impasse? O que gosta abre mão do seu prazer ou o que odeia praia vai sem vontade e fica infeliz, de mau humor? Esse caso não é nada complicado para casais que prezam a liberdade e não se propõem a viver uma relação simbiótica. Quem gosta de praia vai à praia. Quem não gosta escolhe qualquer outra coisa para fazer. Depois os dois se encontram. Aliás, para quem tem uma relação estável, oportunidade para isso é o que não falta.

Entretanto, existem situações bem mais difíceis de se chegar a um acordo, e o prazer da convivência pode ficar comprometido. Resolvi fazer um levantamento sobre essa questão, consultando 30 pessoas. Perguntei a cada uma o que, para ela, tornaria impossível uma vida a dois, por mais que amasse a outra pessoa. Estas foram algumas das respostas obtidas:

"Não poderia conviver com uma mulher que fumasse. Tenho alergia, além de odiar o cheiro."

"Adoro almoçar feijoada aos sábados e não vivo sem carne vermelha. No café da manhã tomo coca-cola todos os dias. Já pensou ter que agüentar o olhar de censura de um marido vegetariano fanático?"

"Adoro esportes e vida ao ar livre. Andar de bicicleta, correr na praia, nadar, velejar. Nunca poderia conviver com uma mulher preguiçosa, paradona."

"Detesto ir a bares e dormir tarde. Faço ginástica todos os dias às seis da manhã. Não agüentaria um homem que fosse da noite e gostasse de beber."

"O que mais gosto de fazer é receber os amigos e conversar até de madrugada. Nunca me relacionaria com um homem que não gosta de gente em casa, que adora ficar no silêncio."

"Detesto dançar e ouvir música alta. Meu último namoro terminou por causa disso. O único programa que ela queria fazer era exatamente sair para dançar!"

O que fazer, então, quando as pessoas se gostam, sentem tesão uma pela outra, mas são incompatíveis como as citadas acima? Para começar, não existe um único modo de relação amorosa. Pelo contrário, são inúmeras as formas de se ter uma vida afetiva e sexual com outra pessoa. A grande saída é estabelecer com o outro um tipo de vínculo em que os dois só se encontrem quando sentirem vontade e façam apenas o que ambos desejarem.
Será que vai demorar muito para chegar o dia em que cada um de nós terá vários parceiros? Um para ir ao teatro, outro para viajar, aquele para dançar, o especial para o sexo, claro, e assim por diante. Tenho forte intuição de que todos vamos viver muito mais alegres e satisfeitos.

Regina Navarro Lins

Amar duas pessoas ao mesmo tempo

Desde que nascemos, muitas coisas nos são ensinadas como verdades absolutas. Todos os meios de comunicação participam ativamente - televisão, cinema, teatro, literatura, rádio -, sem contar a família, a escola, os vizinhos. O condicionamento é tão forte que crescemos sem perceber que aprendemos a pensar assim ou a desejar uma ou outra coisa. Isso ocorre em todas as áreas, portanto, também no que diz respeito ao amor. As regras sobre o que é amar ou ser amado por alguém são muitas. Se você sentir isso, não é amor. Agora, se sentir aquilo, aí sim, é amor. Às vezes escutamos alguém dizer: "Se estiver me relacionando com uma pessoa e sentir desejo por outra, é porque, então, não a amo." Ou "Quem ama quer ficar o tempo todo ao lado da pessoa amada, nada mais lhe interessa." Felizmente nada disso é verdade.

No entanto, essas afirmações há muito são repetidas sem ser contestadas. E não é sem razão. Em primeiro lugar o ser humano parece não desenvolver muito sua capacidade de pensar e só repete. É mais fácil. Depois, as pessoas acreditam que ficar sem alguém ao lado para se protegerem é uma tragédia. Dessa forma, tratam de se convencer e ao parceiro de que as coisas são desse jeito mesmo, achando que assim evitam correr riscos. E vão limitando a própria vida e a do outro. É possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? Sem dúvida, é possível amar bem mais de duas. Acontece até com freqüência, mas ninguém quer aceitar para si mesmo. Afinal, fugir dos modelos impostos gera ansiedade, o desconhecido apavora. Então, surge aquela desculpa esfarrapada: "É possível amar duas pessoas, mas não do mesmo jeito." É exatamente o que ocorre com a fidelidade. Em público todos negam, mas praticam em particular.

É difícil se aceitar que o amor é um afeto único. Mas amor é um só. É prazer na companhia, querer bem, participar da vida do outro, sentir saudade. Nós é que insistimos em dividir em compartimentos, classificando os tipos de amor: por filho, por namorado, por mãe, por amigo, por amante, como se fossem diferentes na essência. De singular e que podem distingui-los uns dos outros são só algumas características. No amor pelo amigo pode não haver desejo sexual, no amor pelo filho costuma predominar um desejo de proteção, e assim por diante. Portanto, podemos amar mais de um, no sentido mesmo do amor que encontramos no namoro ou casamento. Somos todos diferentes, cada um possuindo aspectos que agradam e que se buscam num relacionamento.

Pode até ser que na fase da paixão, quando se está encantado pelo outro, não caiba mais ninguém. Mas essa fase dura pouco. Com uma convivência mais prolongada, a paixão acaba e fica o amor, se houver. De qualquer modo, não parece muita mesquinharia afetiva ter apenas um amor? Contudo, para começar a pensar diferente da maioria é necessário alguma dose de coragem e vontade de viver intensamente.

Regina Navarro Lins

domingo, 20 de outubro de 2013

Canção na Plenitude

MMM

Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força -- que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés -- mesmo se fogem -- retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

Lya Luft

A vida é...

Vento

A vida é

aprender a sorrir quando há uma derrota.
saber ser humilde na hora que vence.
conquistar novos horizontes.
antes de construir uma casa fazer o alicerce.
ajudar as pessoas que necessitam de nosso apoio.
saber que às vezes o fracasso é uma lição para o futuro.
construir uma escada para subir na vida.
saber que o próximo tem sentimentos.
aprender a amar.
saber que as coisas materiais nada se leva, e sim o
espírito, sua consciência.
aprender a viver e a sobreviver.

Jecely Teixeira

Nesta esquina do tempo

Ondas musicais

Nesta esquina do tempo é que te encontro,
Ó nocturna ribeira de águas vivas
Onde os lírios abertos adormecem
A mordência das horas corrosivas.
Entre as margens dos braços navegando,
Os olhos nas estrelas do eu peito,
Dobro a esquina do tempo que ressurge
Da corrente do corpo em que me deito
Na secreta matriz que te modela,
Um peixe de cristal solta delírios
E como um outro sol paira, brilhando
Sobre as águas, as margens e os lírios.

José Saramago

 

Beija Flor

O Pintor, o Pássaro e a Gaiola

Primeiro pinte uma gaiola com a porta aberta
Depois pinte
algo gracioso,
algo simples,
algo bonito
algo útil
para o pássaro.
Então encoste a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta.
Esconda-se atrás da árvore
sem falar
sem se mover...
Às vezes o pássaro aparece logo
mas ele pode demorar muitos anos
antes de se decidir.
Não desanime.
Espere.
Espere durante anos se necessário.
A rapidez ou a lentidão do pássaro
não influi no bom resultado do quadro.
Quando o pássaro aparecer
se ele aparecer
observe no mais profundo silêncio
até o pássaro entrar na gaiola.
E quando ele entrar
delicadamente feche a porta com o pincel.
Então
apague uma a uma todas as grades
tomando cuidado para não tocar
na plumagem do pássaro.
Em seguida pinte a árvore
escolhendo o mais bonito dos seus galhos
para o pássaro.
Pinte também a folhagem verde
e o frescor do vento
o dourado do sol
e a algazarra das criaturas na relva
sob o calor do verão.
E então espere até que o pássaro decida cantar.
Se o pássaro não cantar
é um mau sinal,
um sinal de que a pintura está ruim.
Mas se ele cantar é um bom sinal,
um sinal de que você pode assinar.
Então, com muita delicadeza,
você arranca uma das penas do pássaro
e escreve o seu nome num canto do quadro.

Jacques Prévert

Delírios...

Delírios...
Se eu tivesse o dom de paralisar o tempo, o faria agora, ao seu lado, em seus braços....
Este momento seria eterno, assim como são nossas almas!
Nada mais existiria além do seu olhar, seus lábios, sua pele, seu cheiro, seu carinho...
Este prazer seria inacabável e meus desejos insaciáveis!
Nunca chegaríamos a exaustão e nem tão pouco ao gozo, seria tão somente, prazer e prazer sem fim....
Os arrepios na pele seriam constantes, intensos!
Mas o tempo, este não para e nem se quer espera, tenho apenas o presente para amá-lo...
Momentos que farei valer por uma eternidade meu amor!

Jacira Cardoso

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sábado, 19 de outubro de 2013

Certas palavras podem dizer muitas coisas;
Certos olhares podem valer mais do que mil palavras;
Certos momentos nos fazem esquecer que existe um mundo lá fora;
Certos gestos,parecem sinais guiando-nos pelo caminho;
Certos toques parecem estremecer todo nosso coração;
Certos detalhes nos dão certeza de que existem pessoas especiais,
Assim como você que deixarão belas lembranças para todo o sempre:

Vinicius de Moraes

 

Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes

Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu... Vinicius de Moraes