domingo, 10 de fevereiro de 2013

Sol

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Improviso-te!

 

Jean-Pierre Alaux -3

Quando desapareces, o cheiro fica, a vontade de subir, de abraçar, de repetir desde o início. Quando desapareces, deixas saudades e eu sei que és o meu sonho. Um sonho que não deixo de sonhar, mesmo quando estou ocupado, quando me obrigam a fazer coisas que não gosto, ou quando eu próprio me obrigo, porque és tu de quem eu gosto, és tu o que eu quero ser. E depois a primeira leitura, o primeiro contacto, as primeiras gargalhadas, e o dia à dia intensivo. O primeiro choro. "A pessoa que se emociona como ninguém" No fim, ouvimos as palmas, sinto-me tremer, emocionado, sinto o meu corpo contra o teu, e alegria daquilo que quero ter tão perto de mim. Oiço falarem bem de nós. Umas vezes acredito, e sinto-me bem. "Tens mais talento do que aquilo que pensas ter" Outras, já ouvi tantas vezes, já só agradeço, e tento esquecer. Porque quando caminhas, fico sozinho à espera do dia. Quando caminhas, deixas a esperança, que voltes o mais depressa possível, que apareças na esquina da rua, que me surpreendas. Quando chegas, chegas de mansinho. Mas eu sei que estiveste sempre presente em mim. Porque o sentimento é o mesmo. Em tempos de crise. Em tempos de dificuldade. Em tempos frios, quentes. Em tempos de revolução. De caída do governo. Quando penso que podes não me levar a lado nenhum. Pensar que um dia vais ficar. Vais-me agarrar. És o meu palco. Eu leio-te. E começo outra vez. Marco-te. Decoro-te. Sou feliz. Choro quando tenho que chorar. Ou quando preciso. Vivo-te. Improviso-te. Espero-te. Sinto-te. Até ires embora outra vez, e eu ficar sozinho, com memórias, a desejar que voltes.

Amadeu Mendes

Imagem de Jean-Pierre Alaux

Faltam-me as palavras

Giovanni Auriemma - 1

Faltam-me palavras. Deixei-as na gaveta, atrás do mundo, dentro de paredes. Sem chave, sem nada. Onde todos podem ler, exposto, num só olhar. Num curto-circuito. Metafórico. Um olhar que diz tudo. As minhas palavras agora falam de homocisteína, de doença vascular, aconselham um antigripal, fazem perguntas constrangedoras. As minhas palavras agora escrevem cartas de motivação. E esperam resposta. As palavras que dizia, faltam-me. As palavras que me definem, faltam-me. Falta-me a imaginação. As frases que podem estar soltas. As palavras que podem não fazer sentido. Ou fazer todo o sentido. Só para mim. Sem ligação. Sem abstract. Ou conclusão. Palavras. Só por si palavras. Doce. Teu. Orelha. Sonho. Vida. Saudade. Palavras soltas. Minhas. Nossas. Minhas. Verbos. Repetições. Saudades de repetições. De terapia de blog. De não ter medo de escrever. Das palavras saírem-me dos dedos. Sem pensar. E fazerem sentido. Palavras minhas. Na minha língua. Nas minhas linhas. Uma diarreia criativa. Que não precisa de probioticos. Palavras. Minhas. Sem uma. Sem duas assinaturas. Sem genéricos. Palavras ditas no palco. Palavras escritas no papel.
E quando finalmente paro para escrever. As minhas palavras. Com as minhas pontuações. E o meu toque. A minha marca. O meu Eu. Aí, percebo! Não me tiraram as palavras. Não me tiraram os sonhos. É assim. Com efeito, quando a noite está fria, quando eu estou doente, no escuro do quarto, enrolado numa mantinha da ratiopharm, sozinho! Só me restam as palavras.

Amadeu Mendes

Imagem de Giovanni Auriemma

Passo a passo

Steve Hanks-9

Caminhei sem destino, do passado ao presente. Passo a passo. Recordando memórias em edifícios. Recordando outras procuras, outros passados, outros destinos e esperanças, outros receios e dúvidas. Vi-te no virar da esquina, e parei. Miragem. Continuei a andar com medo de seres verdade. Esqueci-te e caminhei. Criei histórias minhas. Exagerei a realidade. Hipérbole. Tive medo de perder o contexto. Continuei a andar. Um passo é só presente, até dares outro passo. Aí o passo é passado. E o próximo passo, é futuro. Até passar a ser presente. E depois passado. Passo a passo. Os edifícios ficam para trás. E tu, vais para a frente. E assim passam dias. Passam anos. O dia vira noite. O vento vira lençóis. A vida vira sonho. No sonho caminhei, sem destino. E vi-te na rua. Os nossos olhos cruzaram-se. Seguiste-me com medo. Mas no frio os nossos corpos congelaram, a nossa mente temeu, e no final, deixei-te ir, dei um passo, e tu desapareceste com o vento.

Amadeu Mendes

Imagem de Steve Hanks

sábado, 9 de fevereiro de 2013

fósseis

GABRIEL PICART-4 
 
 
 
 
 
 
 
Qual deles, universos paralelos, escolho?
Qual delas, vidas cintilantes, percorro?
Nem sempre o estrato debaixo de é dispensável...
há fósseis e rochas radioactivas a comprovarem-nos o chão daquela era,
extinta em espécie e massa,
sabe-se lá por qual cataclismo.
E as fendas recortam estratos,
as falhas golpeiam o trabalhar do tempo,
mostram-nos
que é sempre bom ajudar os filhos a estudar,
pois, de repente, lá sai um poema a deslizar à deriva,
uma espécie de pangeia fragmentada
a mover-se no magnetismo das placas tectónicas
que encaixam e desencaixam, também icebergs,
sempre ao som de um sermão, amor.
Corais? O eterno vestígio da tua passada. De todas as cores o rubro ainda é a mais amada.
Ai de ti se não passas mais esta prova com excelência! Dói-me a garganta. Raios partam mais esta fenda. Tão belo este caminho. É só uma a porta, como vês.
( Conceição Sousa)

Imagem de GABRIEL PICART

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013