domingo, 19 de maio de 2013

“E beijar o calor da tua pele húmida quando regressas”

 

Ennio Montariello-4

Eu quero olhar-te nos olhos,
E ver-te afastar delicadamente o cabelo da cara
Enquanto encostas a cabeça à ombreira da janela da sala,
E agarrar as tuas mãos febris
Com as minhas mãos geladas
E dizer-te que as nossas mãos
São asas com que podemos voar
Para lá da pequenez desta prisão crepuscular,
E mergulhar na magnitude do mistério.
E ouvir-te dizer que voar é impossível
E dizer-te que entre nós não há impossíveis,
E ver-te procurar a serenidade num cigarro
E esconder-te o isqueiro debaixo da manta
Cor-de-fogo que cobre o sofá velho,
E ver-te ir à última gaveta do móvel de carvalho
E acender o teu cigarro com um dos infindáveis
Isqueiros que lá guardas,
E ir à última gaveta da tua alma
E de lá arrancar o teu enigmático sorriso.
E fingir que não percebo que enquanto nos beijamos
Me roubas, maquiavelicamente, o comando da televisão,
E falar-te acerca da rapariga das tranças ruivas
Que aparece, na magia dos meus sonhos,
Sentada no banco do jardim da lua,
E sorrir aos teus ciúmes de alguém que não existe,
E fingir que estou a tossir mais que aflito
E ver-te esmagar bruscamente o cigarro contra o cinzeiro
E refugiares-te no chá de cereja,
E ouvir-te elogiar as chávenas rubro incandescente,
Que trouxeste da viagem ao México,
Só porque sabes que não gosto daquelas chávenas,
E ver-te despir para tomar banho
E tocar-te como quem lê um poema em braille,
Como se o teu corpo fosse, simultaneamente,
Uma encruzilhada onde me perco
E um mapa onde me volto a encontrar,
E reter-te por séculos nos meus braços,
E fugir quando alcanças o chuveiro ameaçador,
E esperar ansiosamente que termines o teu banho
E beijar o calor da tua pele húmida quando regressas,
E sorrir ao olhar falsamente ressentido
Que lanças desde o sofá onde estás deitada
Com o cabelo molhado,
E ver-te ceder ao peso das pálpebras
Quando as horas pesam séculos sobre os olhos,
E adormecer junto a mim,
E ser percorrido pela profunda paz
Que emerge da perfeição daquele momento,
Perfeição que, felizmente, não tens:
Gosto de ti, não apesar dos teus defeitos,
Mas com os teus defeitos. Todos.
E tocar-te uma vez mais,
Mas querer também deixar-te dormir,
E acordar antes de ti,
E ir à padaria buscar pasteis de nata
E ver-te deliciar com eles
Sem te importares de semear a cama com migalhas
Enquanto eu me delicio com o teu sorriso,
E ver-te beber sumo de laranja
Segurando o copo com as duas mãos,
E pressentir que te conheço há sete vidas
E que afinal tudo isto faz sentido
Porque tu existes,
E perceber a sorte que tive em te encontrar
No meio de seis biliões de seres humanos.
Eu quero olhar-te nos olhos,
E…
Gonçalo Nuno Martins

Imagem de Ennio Montariello

“Meu amor na tua mão, Nessa mão onde cabia Perfeito o meu coração”

Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de lisboa
No desenho que fizesse,
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa,
Esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
Dos sete mares andarilho,
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse,
Se um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu,
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro,
Esse olhar que era só teu,
Amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
Morreria no meu peito,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração.

Alain Oulman / Alexandre O\'Neill

sábado, 18 de maio de 2013

“Rapte-me camaleoa Adapte-me a uma cama boa”

Franziska Maderthaner (1)

Imagem de Franziska Maderthaner

“No desespero que tenho de te não ver Estendo o meu xaile no chão E deixo-me adormecer”

Soledad Fernández (12)

 

 

 

 

 

 

 

Conta a lenda que dormia
uma princesa encantada.
A quem só despertaria um infante que viria
de além do muro da estrada.
ele tinha que tentado vencer o mal e o bem
antes que já libertado
deixasse o caminho errado
por o que a princesa vem
a princesa adormecida se espera
dormindo espera
sonha em morte a sua vida
e orna-lhe a fronte esquecida verde
uma grinalda de era
longe um infante esforçado
sem saber que intuito tem
rompe o caminho fadado
ele dela é ignorado
ela pra ele é ninguém
mas cada um cumpre o destino
ela dormindo encantada
ele buscando a sentindo
pelo processo divino
que faz existir a estrada
e se bem que seja obscuro
tudo pela estrada a fora
e falso
ele vem seguro e vencendo estrada e muro
chega onde em sonho ela mora
inda tonto do que houvera a cabeça em maresia
ergue a mão e encontra ela
e vê que ele mesmo era
a princesa que dormia

Fernando Pessoa

C de Amor

“Saudade é o ar que vou sugando e aceitando como fruto de Verão nos jardins do teu beijo”

“Vou marcar-te bem Como um sonho vão Dentro da minha mão”

 

Se cuidas de mim
Eu cuido de ti também
Dentro da minha mão
Eu guardo te bem
Se amarmos do princípio
Se perdermos tudo outra vez
Vou marcar-te bem
Como um sonho vão
Dentro da minha mão
Se cuidas de mim
... Eu cuido de ti também
Se vens em paz
Eu venho por bem
Se formos bebendo
O chão deste caminho
Vou guardar-te bem
Agora que sei
Que não vou sozinho
Há uma praia depois da sombra
Uma clareira p'ra iluminar
Há um abrigo no meio das ondas
Tu a caminho p'ra iluminar


Tiago Bettencourt

“Quero que a chuva molhe o campo e que o campo seja teu”

 

Quis agarrar a ti o mar
Quis agarrar a ti o Sol
Quis que o mar fosse maior
Quis que o mar tocasse o Sol
Quis que a luz entrasse em nós
inundasse o lado frio
Quis agarrar a tua mão
e descer o nosso rio
Quero agarrar a ti o céu
... Quero agarrar a ti o chão
Quero que a chuva molhe o campo
e que o campo seja teu
Para que eu cresça outra vez
Quero agarrar a ti raiz
Quero agarrar a ti o corpo
E eu quero ser feliz...
Quis agarrar a ti o barco
Quis agarrar a ti os remos
que usamos nas marés
quando as ondas são de ferro
Quero agarrar a ti a luta
Quero agarrar a ti a guerra
Quero agarrar a ti a praia
e o sabor de chegar a terra
Porque o mar tocou no Sol
Inundou o lado frio
Porque o Sol ficou em nós
e desceu o nosso rio
Por isso dá-me a tua mão
Não largues sem querer
Quero agarrar a ti o mar
eu quero é viver.
Se tens medo da dor
Vem ver o que é o amor
Se não sabes curar
Vem ser o que é amar
Quero ver-te amanhecer
.

Tiago Bettencourt

ISTO É O MEU CORPO

fred wessel 917

O corpo tem degraus, todos eles inclinados
milhares de lembranças do que lhe aconteceu
tem filiação, geometria
um desabamento que começa do avesso
e formas que ninguém ouve

O corpo nunca é o mesmo
ainda quando se repete:
de onde vem este braço que toca no outro,
de onde vêm estas pernas entrelaçadas
como alcanço este pé que coloco adiante?

Não aprendo com o corpo a levantar-me,
aprendo a cair e a perguntar

José Tolentino Mendonça

Imagem de fred wessel

Situando-te no meio desta frase

BernardoTorrens-2

Situando-te no meio
desta frase
que equilibra morna
de saliva
distingo a cor do verão
entre este inverno
... que é o teu sabor
na minha língua

Maria Teresa Horta

Imagem de BernardoTorrens

Masturbação

Marina PODGAEVSKAYA-4

Eis o centro do corpo
o nosso centro
onde os dedos escorregam devagar
... e logo tornam onde nesse
centro
õs dedos esfregam - correm
e voltam sem cessar
e então são os meus
já os teus dedos
e são meus dedos
já a tua boca
que vai sorvendo os lábios
dessa boca
que manipulo - conduzo
pensando em tua boca
Ardência funda
planta em movimento
que trepa e fende fundidas
já no tempo
calando o grito nos pulmões da tarde
E todo o corpo
é esse movimento
que trepa e fende fundidas
já no tempo
calando o grito nos pulmões da tarde
E todo o corpo
é esse movimento
em torno
em volta
no centro desses lábios
que a febre toma
engrossa
e vai cedendo a pouco e pouco
nos dedos e na palma

Maria Teresa Horta

Imagem de Marina PODGAEVSKAYA

Somo-nos

yasmina alaoui & marco guerra-6

e afinal é isto e só isto

será? que seja, quero

dias todos assim, assim

boca, assim duas mãos

seguras por beijos e medo

da luz um corpo amanhecido

de muito mudas as palavras

e tão dentro dos teus olhos

vemos tudo o que não era

e somos o que não fomos

porque adormecemos inteiros

por dentro de dentro de nós

ao fundarmos um nosso verbo

Nuno Camarneiro

Imagem de yasmina alaoui & marco guerra

Entrelinhas

 

Chelin Sanjuan Piquero-5

Esse que por aí anda não sou eu

E se fala, e se posa, e se comenta até

É mais por desleixo do que vontade

Não tenho nada de muito para dizer

Quando me apetece falar, eu escrevo

Quando me apetece posar, eu durmo

Comento os meus sonhos com sonhos

E acordo os dias sem qualquer opinião

Se me virem, façam que não me vêem

Que eu ando por aqui, só entre as linhas

E quando terminar o verso, já eu me fui

Nuno Camarneiro

Imagem de Chelin Sanjuan Piquero

domingo, 5 de maio de 2013

F

 2013-01-27 022

Eu não escrevo livros.

Eu planto paisagens em páginas em branco.

Marla de Queiroz

♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAMMMMMMMMMMMMMMMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------TTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTEEEEEEEEEEEEEEEEEE

,
DDDDDDDDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEEEEEEEEEENNNNNNNNNNNNNNNNNTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTTRRRRRRRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO                                                                               

DDDDDDDDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEEEEEEEEEE

UUUUUUUUUUUUUUUUUMMMMMMMMMMMMMMM

VVVVVVVVVVVVVVVVVVAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAALLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLEEEEEEEEEEEEEEEEEE

DDDDDDDDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEEEEEEEEEE

CCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAARRRRRRRRRRRRRRRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIICCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAASSSSSSSSSSSSSSSSS.

GGGGGGGGGAAAAAAAAAAAAABBBBBRRRRIIIIIIEEEEEELLLLLLLLAAAAAAAAA

VVVVVIIIIIIIITTTTTTTTÓÒÓÓÓÓÒÓÓRRRRRIIIAA.

Na ponta dos dedos

2013-04-16 009

Na ponta dos dedos
batem as palavras sísmicas.
E a testa abre-se profusamente
à força do nome.
Digo:aquele que escreve infunde o prodígio,
respira ao cimo com a luz nos pulmões,
atravessa como se florisse nos abismos.

Jorge Melícias
de A Luz nos Pulmões(2000)

Escritora Paloma Vidal

levo na bolsa
o barco de papel
que ele fez pra mim.
amuleto, lembrança,
âncora.
a fragilidade me protege

Paloma Vidal

sábado, 4 de maio de 2013

É preciso amar o inútil

É preciso amar o inútil.
Criar pombos sem pensar em comê-los,
plantar roseiras sem pensar em colher rosas,
escrever sem pensar em publicar,
fazer coisas assim, sem esperar nada em troca.
A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta,
mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas da vida.
A música. Este céu que nem promete chuva.
Aquela estrelinha nascendo ali... es...tá vendo aquela estrelinha?
Há milênios não tem feito nada, não guiou os reis magos,
nem os pastores, nem os marinheiros perdidos... apenas brilha.
Ninguém repara nela porque é uma estrela inútil.
Pois é preciso amar o inútil porque no inútil está a beleza.

(Trecho do romance "Ciranda de Pedra", de Lygia Fagundes Telles)

Xue Yanquin-1

 

 

 

 

 

 

                                                 

  Imagem de Xue Yanquin

Quero ficar só

Quero ficar só.

Gosto muito das pessoas, mas às vezes tenho essa necessidade voraz de me libertar de todos.

Lygia Fagundes Telles

22

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Em cada pétala de flor beijo o nosso amor…G V

 

 

 

 

 

Charles Courtney Curran

MIGRAÇÃO


“não é simples nomear rotas
afinal passamos a vida a fingir fugir dos lugares
mas ficamos lá sempre
a caminho de uma voz que não nos chama.
simulamos os sulcos, a gesta da viagem, os vazios da saudade
mas tudo o que sobrevém por fim são restos de mapas
fragmentos de país a país que percorremos nunca.
não sei se é preciso querer pouco ou querer demais
... se dia após dia é natural o desalento
no corpo na casa nas superfícies planas
ou se a preparação para o périplo da vida consiste apenas
em abrir os olhos
e não morrer antes de tempo.
não sei
não sei de que forma as realidades se esvaziam
se é por fissuras abertas pela inércia
ou se pela dor de termos fugido vezes demais.
é talvez essa ideia plana do mundo que ainda vive
essa terra deitada há tanto tempo
que quando decidimos partir
o corpo fica parado.
vai o espírito que não torna jamais.
e no fim somos apenas isso
aves migratórias esquecidas de voltar.”

André Tomé, in “Insula”

2013-02-05 196

A BELEZA EM CADA SER É UMA ALEGRIA ETERNA

"A beleza em cada ser é uma alegria eterna:
o seu encanto torna-se maior e nunca se há-de perder
no nada; reservar-nos-á ainda um refúgio
de paz, onde adormeceremos, habitados por sonhos
suaves, uma íntima plenitude, uma respiração branda.
Comecemos, assim, a tecer em cada manhã
uma grinalda de flores para nos unirmos à terra,
apesar do desalento, da aus...ência daqueles
cuja nobreza amávamos, dos dias cheios de escuridão,
de todos os caminhos insalubres e misteriosos,
abertos para os nossos anseios; sim, apesar de tudo,
uma forma de beleza afasta o sudário
das nossas almas sombrias. Assim é o sol, a lua,
as antigas ou novas árvores cuja bênção faz germinar
a sombra sobre os humildes rebanhos; os narcisos
e o mundo verdejante que os cerca; e os límpidos rios
que para si criam um dossel de frescura
durante as estações ardentes; os silvados do bosque
enriquecidos pelo belo, nascente esplendor das rosas;
e, também, a magnificência do destino
que imaginamos para os mortos poderosos;
e as histórias encantadoras que lemos ou escutamos:
fonte inesgotável duma imortal bebida,
que vem do limiar do céu e para nós se derrama.
E não é apenas durante algumas horas breves
que ficamos presos a estas essências; assim como as árvores
murmurando à volta dum templo logo se tornam
tão amadas como o próprio templo, também a lua
e a paixão da poesia, glórias infinitas, tantas vezes
nos assombram, até serem uma luz vivificadora
para a alma, e tão estreitamente nos cingem
que, fique a brilhar o sol ou se apaguem os céus,
para sempre hão-de existir em nós, ou morreremos."

John Keats, in "Poesia Romântica Inglesa", Relógio D'Água, 1992 (trad. Fernando Guimarães)