terça-feira, 20 de maio de 2014

«Custa muito (…) elevarmo-nos acima de nós próprios e, desumanamente, observarmo-nos, não na nossa qualidade de habitantes deste planeta, enterrados até ao pescoço na sociedade dos homens e condicionados por ela, mas como nos observariam os habitantes de um planeta remoto, com o mesmo distanciamento, com a mesma impassível desumanidade. Se conseguíssemos alcançar tal desdobramento, o que é que ver...íamos? Veríamos que há milhares de homens, há milénios, que vêm sulcando um caminho tão profundo que ninguém consegue sair dele, de tal modo que todos nós, embora nos julguemos livres, não o somos mais do que uma formiga que caminha com outras formigas dentro de uma mesma fila. Aqui, na terra, tudo é idealizado: idealizamos a nossa servidão ao grupo, ao indestrutível caminho, inventando determinadas palavras, venerando-as. Chamamos “bem” ao caminho que, precisamente por um hábito ancestral, estamos habituados a percorrer e “mal” à terra livre, inexplorada, que se estende à sua volta. O que é a moral senão a idealização da nossa férrea dependência do “caminho”?»
Carlo Coccioli, “Fabrizio Lupo”, Cotovia, 1991

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