segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Os adjectivos estão velhos.
Um dia pensarei,
fui verso onde os pássaros soletravam árvores.
Valem-me as frases que amparadas no açúcar
atravessam o tempo.
As pernas já não são rios que procuram as ruas
para o corpo se escrever.
Subo o Chiado.
Ao fundo, guindastes respiram os barcos
e o Tejo é um país com palavras esquecidas.
Nas margens, as embarcações
recordam os verbos que usavam panamá.
Tudo está diferente.
As pessoas não rimam.
Têm os nomes escondidos nas colinas
e as veias rasuradas.
Custa-me agora seguir a corrente
que chega a uma esplanada.
Tempos houve em que entrava na "Brasileira"
como se mergulhasse na poesia.
As cadeiras eram gramáticas
com homens sentados
e, nas mesas,
as folhas chamavam canetas.
Chego.
Sento-me.
Como mudou o mundo nos mesmos olhos.
Chamo o empregado.
"Por favor, uma chávena de sílabas".
Logo vinte pronomes proclamam o prurido,
"é um poema".
Só Pessoa numa estátua é celibatário.
Vou observando os homens,
parágrafos fétidos que matam dicionários.
Anoitece.
O empregado despeja um grito no balcão.
"a conta daquele poema."
Levanto-me.
Sou um texto de outros tempos.
Treme-me a prosa,
visto-lhe a gabardina.

Desço o Chiado.
Entro numa livraria.
Lá fora o vento agita a sintaxe
de quem nada tem para ler.
Cansado silencio-me junto à estante.
Os dedos sorriem num livro,
"Confesso que vivi".
Para os que não tocaram o meu sangue,
serei sempre um poema com Alzheimer.

Alberto Pereira

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