«A verdade é que as nossas sociedades ocidentais estão a viver uma silenciosa mudança de paradigma: o excesso (de emoções, de informação, de expectativas, de solicitações...) está a atropelar a pessoa humana e a empurrá-la para um estado de fadiga, de onde é cada vez mais difícil retornar. O risco é o aprisionamento permanente nesse cansaço, como explicava profeticamente Fernando Pessoa: "Estou cansado, é claro, porque, a certa altura, a gente tem de estar cansado. De que estou cansado não sei: de nada me serviria sabê-lo, pois o cansaço fica na mesma. (...) "Não sei sentir, não sei ser humano", escrevia ainda Fernando Pessoa. E continuava: "Senti de mais para poder continuar a sentir." De facto, o excesso de estimulação sensorial em que estamos mergulhados tem um efeito contrário. Não amplia a nossa capacidade de sentir, mas contamina-a com uma irremediável atrofia. "Ah, se ao menos eu pudesse sentir!," é a proposição do desespero contemporâneo, que advém depois de se ter experimentado tudo, em vertigem e convulsão.»
José Tolentino Mendonça, "A Mística do Instante", 2014
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